sábado, 23 de fevereiro de 2013

As façanhas do Doutor Fritz Por Norma Couri em 12/02/2013 na edição 733 Observatório da Imprensa

 Sábado, 16 de Fevereiro de 2013 | ISSN 1519-7670 - Ano 17 - nº 733
MEMÓRIA
FRITZ UTZERI (1945-2012)
As façanhas do Doutor Fritz
Por Norma Couri em 12/02/2013 na edição 733 Observatorio da Imprensa


Difícil alguém ter passado pelo Jornal do Brasil na sua melhor fase, quando todo mundo adorava visitar a Redação, e não se lembrar de um gordinho irreverente de óculos, que costumava colar na sua mesa um cartaz com os dizeres “não atirem amendoim para os repórteres”. O Jornal do Brasil tem histórias e tem pessoas que fizeram sua lenda. Uma delas é Fritz Utzeri. Por que tantas homenagens, tantas reportagens, tantas lembranças? Jornalistas há muitos, mas o que fica é o afeto por um colega generoso, carismático, estimulador e criador de uma aura positiva, aquele que salvou você de fracassar numa pauta impossível, quando tinha tudo para roubar a glória do furo.

Isso era fundamental na Redação de antanho, quando as pessoas não se isolavam com seus computadores em casa. Ficavam amontoadas na fábrica de notícias, manipuladas pelas chefias para competir e ser o melhor. Havia derrubadores e havia os fritz. Uns e outros bons repórteres, mas estudiosos do comportamento humano provaram: são os fritz e o afeto que ficam.

Fritz Utzeri era um grande repórter da geral nos anos malditos em que todo mundo tinha medo de “desaparecer”. Desafiou a ditadura com pelo menos duas reportagens que renderam dois prêmios Esso ao jornal. A primeira sobre a morte do deputado Rubens Paiva, arrancado de seu apartamento no Leblon, em janeiro de 1971, para nunca mais ser visto. A segunda sobre o embuste do atentado no Riocentro, em 30 de abril de 1981.

Pautas perigosas

Junto com outro repórter, Heraldo Dias, Fritz publicou três páginas a 27 de outubro de 1978 no caderno especial do Jornal do Brasil com o título “Quem matou Rubens Paiva”, e a foto do deputado. Eles derrubaram a versão oficial de que o ex-deputado preso pela Aeronáutica e detido no temido quartel da Polícia do Exército na Rua Barão de Mesquita teria sido resgatado por oito subversivos quando seguia num Fusca espremido por três militares. Na troca de tiros o ex-deputado teria sido morto e os militares, salvos ao se refugiar atrás de um muro na Avenida Edson Passos, no Alto da Boa Vista, no Rio.

Na reportagem, os repórteres denunciaram:

“Isso significa que Rubens, aos 41 anos, gordo, hipertenso, cardíaco e diabético – e além disso fora visto algumas horas antes bastante machucado e com dificuldade para respirar – correu um mínimo de 25 metros, em meio a fogo cruzado, após sair do banco traseiro de um Volkswagen alvejado por 24 tiros, cinco dos quais alojados justamente no local em que deveria estar. E o carro estava em chamas”

Três anos depois, alertado pelo também repórter Sergio Fleury de que o Puma usado no atentado no Riocentro na noite de 30 de abril estava num terreno baldio que havia em frente à 16ª Delegacia, na Barra da Tijuca, Fritz, de plantão no feriado de 1º de maio, saiu disparado e acoplado ao fotógrafo Rogério Reis. Não faltou ângulo possível de ser observado nas fotos e na matéria publicada no dia seguinte, e a reportagem provava que a bomba destinada a fazer um estrago na festa de comemoração do Dia do Trabalho explodiu mesmo no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário (codinome Wagner, que O Pasquim chamava de “Capitão Bomba” ou “O Pênis do Ano”) sentado ao lado do piloto do Puma, capitão Wilson Luis Chaves Machado (codinome dr. Marcos).

A bomba era um plano macabro para acusar como autores os “terroristas”. O relatório divulgado pelo comando do I Exército concluía que os militares atingidos foram vítimas de uma armadilha “ardilosamente colocada no carro do capitão”.

As fotos-documento de Rogério e o relato preciso de Fritz (“a chave estava no contato, em posição de ligado. Assim, é bastante provável que, na hora da explosão, o carro estivesse chegando ou preparando-se para sair daquele local”) reverteram o jogo e ainda provaram que a perícia sequer havia recolhido o talão de estacionamento no Riocentro (“de número 64 270”). fazendo vista grossa às pistas que certamente concluiriam o mesmo que Fritz.

Só quem viveu aqueles anos de chumbo numa redação sabe dos perigos que os repórteres corriam. A reportagem sobre Rubens Paiva foi publicada no governo Médici e a do Riocentro no último governo da ditadura, com o general Figueiredo – e esta, por precaução, Fritz não assinou.

Sem queixas

O Brasil levou 35 anos para concluir no dia da morte de Fritz – de acordo com o relator da Comissão da Verdade, Claudio Fonteles – que o deputado foi assassinado sob tortura por três militares nos porões do Doi-Codi no Rio.

Três meses antes a farsa dos militares já havia sido confirmada com a abertura dos arquivos de 200 páginas do comandante do Doi-Codi à época do atentado ao Riocentro, coronel reformado do Exército Julio Miguel Molina Dias, assassinado em novembro do ano passado em Porto Alegre. O jornal Zero Hora foi o primeiro a publicar que os agentes “supervisores” do atentado foram as únicas vítimas numa festa que poderia ter ferido ou matado muitas das 20 mil pessoas presentes, incluindo os músicos como Chico Buarque. Mas a revista Época já revelava, em 27 de outubro de 1999, que um novo Inquérito Policial Militar indiciou o tenente-coronel sobrevivente Wilson Machado por homicídio qualificado e desmascarou o falso testemunho do general da reserva Newton Cruz, então chefe do Serviço Nacional de Informação.

Nenhuma revelação oficial ou escrita sairá antes de 14 de maio de 2014 da Comissão da Verdade instaurada no Brasil depois que vários países da América Latina, como Argentina, Peru e Chile, já instalaram as suas. Também ninguém será condenado, como afirma – e lastima – um dos sete integrantes da Comissão, Paulo Sergio Pinheiro. Mas pelo menos Fritz lavou a alma, acompanhou parte da virada do Brasil que ele conheceu sombrio e cheirando a chumbo.

Joel Silveira recusava o título de doutor dado pelo dono dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, dizia que só tinha terminado o primeiro ano de Direito. Chatô reagia: “Doutor é quem é douto em alguma coisa, e você é douto em jornalismo”.

Fritz era doutor pelos dois lados. Já trabalhava no Jornal do Brasil e cursava a Faculdade de Medicina quando ficou difícil manter as duas coisas e, o como conta o editor chefe do JB à época, Alberto Dines, o jornal resolveu bancar os estudos do primeiro repórter especializado na área médica dando um aumento de salário. Bons tempos. Mas antes de se tornar “doutor” em Medicina Fritz optou: dizia que tinha medo de abandonar a profissão onde já era doutor em Jornalismo.

A medicina serviu para várias matérias específicas que derrubariam qualquer repórter, mas acabou sendo a última reportagem de Fritz. Ele fez como o famoso repórter americano I. F. Stone, que depois de abandonar as redações e entrar na lista negra do macartismo criou seu próprio jornal, o newsletter I.F.Stone Weekly, que circulou de 1953 a 1971.

Depois de trabalhar no Correio da Manhã e no Jornal do Brasil, de onde foi enviado como correspondente para Nova York e Paris, para na volta se tornar editor de Ciência da TV Globo, Fritz, fora das redações e reclamando (“desempregado e fora do mercado, malvisto pela Globo”), criou, em 2004, seu próprio jornal na internet, o Montbläat (“Dístico em sueco: se você entender o Brasil, por favor, conta pra gente”), que começou com sete páginas e foi engordando durante os oito anos de duração, combatendo e sendo contra.

Montbläat, com cara de sueco e trema, não queria dizer absolutamente nada, era um jornal fictício na Suécia cujo correspondente, também fictício no Brasil, Harald Magnussem, o Magu (Fritz), vivia sendo demitido porque o editor não acreditava nos textos que o infeliz jornalista lhe enviava. Fritz justificava: “Tente explicar a um cidadão de Estocolmo o Senado brasileiro com 10 mil funcionários, mais de 180 diretores, inclusive um diretor de check-in”.

Ali no Montbläat, nos últimos números, Fritz atuava como dublê de médico e repórter, dando o passo a passo da doença, contando a baixa das placas, o choque anafilático que causou edema pulmonar, a sensação de morte, a falta de imunidade, o antiviral que tornou a dor suportável, a guerra desta vez contra o inimigo que era a doença. Sempre ironizando. E sem nunca se queixar: ele sempre dizia que as pessoas só devem se queixar de si próprias para o médico. No teclado do computador jogava um jogo contra a morte, como Ingmar Bergman fez em O Sétimo Selo, em 1953, no tabuleiro de xadrez. A doença, afinal, venceu.

Fritz Utzeri morreu de um linfoma, um câncer nos glânglios, aos 68 anos, na madrugada de terça-feira, dia 5 de fevereiro.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O adeus de Borges Neto a Fritz Utzeri


Caros amigos jotabenianos, aqui a bela homenagem do nosso Borges Neto ao amigo Fritz no JB Online.
O legado que Fritz nos deixou
de Borges Neto


Estive com o Fritz Utzeri quatro dias antes de ele morrer. Mesmo desenganado dos médicos, ele parecia não levar em consideração o linfoma com que se debatia há três anos. E se lhe perguntava pelas andanças e contradanças da vida desde que nasceu, nem por um instante se impacientou. Apenas perguntou, mesmo assim em tom de galhofa, como sempre lhe foi natural:
— Isso é para fazeres o meu obituário?
Bom de línguas (português, alemão, inglês, francês e espanhol), Fritz sabia também da diferença que existe entre o "você" e o "tu" para o legítimo ouvido português. O "você" não admite intimidades, mas o "tu" ou o verbo na segunda pessoa do singular é a única forma de se tratarem amigos mais chegados.
Quando bati à porta do quarto de hospital, onde estava havia três dias, e entrei sem mais cerimônia, ele me saúda:
— Ó Luso!
— Ó Germano!
O bom Germano, como passei a tratá-lo desde que nos vimos a primeira vez, na Redação do JB, em 1972, estava tomando café com leite e uma torrada que me parecia estar coberta de doce de uva. Na frente dele, estava a Liège, esposa e enfermeira zelosa, que me mandou sentar no sofá. Creio que, instintivamente, ela pegou o laptop e o abriu como para me apresentar os netos lindos — a menina Gabriela-Gabi e o menino André, filhos do Pedro. Depois, Liège começou a preparar as coisas para ir aos responsáveis do plano de saúde para "brigar". O próprio Fritz completou:
— A gente passa uma vida descontando e, quando precisa, é uma guerra.
Desde a primeira hora eu era, para o Fritz, o Luso e — confesso — o apelido não me desagradava, ao contrário de quando me chamam de "português", talvez porque o verbete me lembra o conceito que o brasileiro ainda hoje faz dos meus compatriotas, em geral desprovidos de maior inteligência e que vinham para o Brasil sem saber ler nem escrever.
Quando estive com o Fritz pela última vez, eu sabia que seu estado de saúde não era nada animador, mas não sabia de mais uma qualidade que bem o distinguia do comum dos mortais. Ele não era de se entregar. À saída do quarto, eu disse até para a Liège: "Vou embora, mas nem um pouco abalado. Seu marido me deixa edificado".
Em horas como esta, Fritz foi, para mim, uma das figuras humanas mais dignas de admiração que conheci em toda a minha vida. Ele conversava, gracejava, sabia escutar e, ainda que discordasse, sabia respeitar. Sabendo que estava diante de um católico, pleno de convicções religiosas, permitiu-se:
— Posso não crer em Deus mas não posso dizer que ele não existe.
O engraçado é que, nesta visita, uma só coisa me tinha levado até ele, como mandam as obras de misericórdia: "assistir os enfermos". Fritz estava doente, e uma visita que lhe fizesse não era mais que obrigação, pois que tanto eu lhe devia.
Pessoalmente, lhe sou muito grato. No ano 2000 mil eu já tinha aposentado, havia bastante tempo, minha caneta de repórter. Pois o Fritz, quando era chefe de Redação, lá no prédio da Avenida Brasil, lembrou-se de mim e me telefonou:
— Luso, o que estás fazendo?
— A bem dizer, nada — gaguejei.
— Então, amanhã, tu vens para aqui, tens muito o que fazer neste jornal.
Foi assim que pude cobrir os 500 anos da descoberta do Brasil, em Porto Seguro, deslocar-me até São Félix do Araguaia para entrevistar o bispo dom Pedro Casaldaliga y otras cositas más.
Não foi sem algum sacrifício que naquela manhã fui até o Quinta D'Or para ver o amigo Fritz, já que nas primeiras horas do dia eu sou uma espécie de babá das netas que moram comigo (uma de 7 e outra de 9 anos). Mas, além de tudo, eu sabia que estava cumprindo uma obra de misericórdia: "assistir os enfermos". No entanto, a obra de misericórdia que mais se evidenciou naquela hora foi outra: "ensinar os ignorantes".
Eu era o ignorante, e Fritz quem ensinava. Quando for a minha vez, quisera eu ensinar os outros como ele me ensinou. Ele me ensinou como sofrer sem perder a tranquilidade. Me ensinou a não fazer queixas de mim senão ao médico, ser humilde e não me julgar melhor nem pior que os outros, sofrer sem nada cobrar nem nada maldizer. Eu sabia que, continuamente, ele sofria dores atrozes, e nem por um instante se queixou do quer que fosse.
Na meia hora que passei com o Fritz, ele mesmo, sem querer, me ajudou a ver melhor a grandeza do homem que estava diante de mim. Durante os muitos anos que com ele trabalhei, eu reconhecia em Fritz um grande jornalista, mas só. Tão depressa cobria um trivial acidente rodoviário como escavava tudo o que se escondia nos porões e periferia da baixa política. Chegou a ser correspondente do Jornal do Brasil em Nova York e em Paris. Um modelo de análise e descrição, de amor à profissão que ele abraçou ainda jovem e tanto soube honrar.
Agora, não. Agora era o mestre do sofrimento e da grandeza de coração que nele se escondia. Um coração que, parece, veio só para amar. Que mais se pode desejar numa pessoa humana? Ama e serás amado — Fritz, que foi um companheiro sempre humilde mesmo nas alturas a que seu talento o levou, isso ele sabia mais do que tudo.
Ainda durante a visita que lhe fiz, Fritz — que nasceu na Alemanha em janeiro de 1945, quando já se percebiam no ar prenúncios do fim da Segunda Guerra — me contou um pouco da sua vida. Já no Paraguai, para onde foi ainda menino, quis ser padre depois que viu um sacerdote pregar "feito um trovão". Depois quis ser capitão de navio, resultado certamente de suas viagens por mar. Quis também ser engenheiro naval, médico, tudo que lhe parecesse ser maneira de ser útil aos outros. E como ele foi útil para muitos!
Mesmo doente, e diante de algumas perguntas que lhe fiz depois de ouvir seu histórico, Fritz não se impacientou nem perdeu o humor. "Você quer fazer é o meu obituário" — brincou.
— Que é isso, amigo? Tu tens 68 anos. Tua mulher e teus filhos, teus netos e tantos de nós que te amamos, todos queremos ver-te connosco por muito tempo ainda.
Mas Fritz se foi, deixando em todos nós imensa saudade junto com um legando precioso: amor à profissão, respeitando à verdade, pesquisando, defendendo a justiça, fazendo o bem.


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Vejam, abaixo, reprodução do Jornalistas&Cia com perfil do nosso colega. (clique na imagem para aumentar)













Jornalistas&Cia edição 883









terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Fritz Utzeri, uma última vez. Fotos de Vitor Silva, do JB

 O filho Pedro.

Liége, com a mão na cabeça de Fritz. Sergio Fleury, de paletó escuro, à direita, presta uma última homenagem ao amigo Federico Carlo Utzeri.

Ainda não vi no O Globo, mas o JB na internet publicou hoje (5 de fevereiro) uma notícia reproduzindo o texto  Fritz, o amigo de Timmendorferstrand (leia no post do próprio Fleury, abaixo) sobre o falecimento do nosso companheiro Fritz Utzeri, guru de uma geração de repórteres, e inspiração para outros tantos jornalistas com quem trabalhou, conviveu ou apenas conheceu, e também para aqueles que não o conheceram, mas que sabiam de sua importância.

  

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O jornalista FRITZ UTZERI, 68 anos, morreu nesta segunda-feira, 04 de fevereiro de 2013, no hospital Quinta D'Or, após lutar bravamente nos últimos três anos contra um linfoma.
Fritz, o amigo de... Timmendorferstrand
De médico e louco todos nós temos um pouco, diz o ditado. Médico ele já era, formado pela UERJ com opção pela Psiquiatria, profissão que não chegou a exercer e que abandonou para ser jornalista. Louco alguns pensavam que era, pelo jeito vibrante de ver e dizer as coisas. Na verdade, ele era um grande boa praça, um amigo, uma figuraça que conquistava as pessoas pela maneira simples, inteligente e direta de se comunicar com a vida.
Por onde passou usou seu jeito informal de ver os problemas que, de uma forma incomum, rápida e precisa, procurava resolvê-los. Era um descomplicador de coisas, inclusive da própria história iniciada há 68 anos na cidade de Timmendorferstrand província de Sleswig Holstein, Norte da Alemanha, um “balneário ipanemense”, como sempre comparou.
Ele nasceu Fritz Carl, nome herdado do pai alemão que não chegou a conhecer porque morreu em sua motocicleta com side car na explosão de uma bomba durante a guerra na Polônia, no dia 11 de setembro de 1944, quatro meses antes do seu nascimento (10 de janeiro de 1945). Sua mãe Elza, italiana, já tinha fugido para o Norte da Alemanha, como fizeram todas as mulheres grávidas naquela época de guerra. Certamente essa aventura foi a primeira de suas muitas estórias de vida!
Com dois anos de idade veio para a América Latina com a mãe, direto para Assunção, Paraguai. Ao Brasil, chegou com sete anos (1952) indo morar no bairro paulista de Higienópolis, mais precisamente à Rua São Vicente de Paula, 152. Mas não parou ali: veio para o Rio de Janeiro, foi para Lima (Peru), La Paz (Bolívia), Santiago (Chile) e Buenos Aires (Argentina), acompanhando a mãe e o padrasto italiano Otello, que na verdade o criou e se meteu a montar fábricas e hidroelétricas pelo continente latinoamericano. Dessas andanças latinas pegou o hábito de entremear expressões em espanhol – um dos cinco idiomas que dominava - no meio de suas animadas conversas.
De volta ao Rio, foi morar na Tijuca, anos 60/70, época em que o bairro ainda era aprazível. Foi na então bucólica Avenida Paulo de Frontin, repleta de flamboyants, que passeava com a namorada Liège, depois sua mulher por mais de 50 anos, e com a qual teve dois filhos, Ana e Pedro (de quem teve um casal de netos, Gabriela-Gabi e André).
A troca da Psiquiatria pelo jornalismo no ano de 1967/68 lhe rendeu um comentário que fez parte do seu folclore: “se continuasse médico e fosse para uma cidadezinha do interior, abrisse um consultório, colocasse o diploma na parede e na porta o nome Dr. Fritz, ficaria rico e famoso. Iam me confundir com o médium”.
Como jornalista, começou repórter estagiário do Correio da Manhã época em que viveu uma de suas ótimas histórias. Um dia entrou no elevador da Revista Manchete, na Glória, junto com o dono Adolpho Bloch que, pensando falar com um dos seus jornalistas gritou: - o senhor está demitido por não usar gravata. Fritz com seu ar debochado retrucou: ora, isso é impossível, eu não sou seu funcionário! E saiu gargalhando “a la Fritz”...
Ao naturalizar-se brasileiro, em 1970, de Fritz Carl, registrado na rebuscada certidão de nascimento alemã, passou a chamar-se Federico Carlo Utzeri. Mas ele já era mesmo o Fritz Utzeri, nome com o qual se firmou nas funções de repórter especial do JORNAL DO BRASIL e de seu correspondente nas cidades de Nova Iorque (82/85) e Paris (85/89).
De Paris voltou para o JB, mas foi logo convocado para ser o editor de Ciência e Tecnologia da TV Globo, onde mesmo depois de sair matou as saudades do telejornalismo ao participar da edição especial do programa Globo Repórter sobre o Caso Riocentro, assunto por ele apurado junto ao falecido repórter Heraldo Dias e que rendeu à equipe do JB o Prêmio Esso de Jornalismo. Com o companheiro ainda ajudou a desvendar o caso do desaparecimento e assassinato do deputado Rubens Paiva.
No período 1991/95 trabalhou, como Diretor de Comunicação na multinacional de telecomunicações Alcatel, mas a vida na Ponte-Aérea o deixava longe da família e dos seus brinquedinhos: as coleções de trens elétricos, de livros – era um leitor voraz - de antigos LPs e CDs, de carros em miniatura e os de verdade, como um MG 1966, original, que conservou por anos na garagem junto a um Karmhan-Ghia e a um Alfa Romeo ‘Spider”.
Trabalhou, também, como Diretor de Comunicação da Fundação Roberto Marinho e Diretor de Redação do JB na fase semifinal da edição impressa. Escreveu os livros “Aurora” (ficção) e “Dancing Brasil” (crônicas) e editou o seu blog “Montbläat”. Nos últimos três anos lutou bravamente contra um raro linfoma (câncer nos gânglios) que nem um transplante de medula e remédios experimentais lhe deram a confortável sobrevida sem dor.
Até nesse período muito difícil sua fome de informação aliada à memória privilegiada fazia com que esse germano-ítalo-carioca sempre tivesse um “causo” a contar. Era imbatível em Cultura geral ou na do tipo inútil, do gênero “você sabia”?
Pudera: para quem nasceu em Timmendorferstrand nada lhe era impossível, inclusive “desaparecer“ nesta manhã deixando uma profunda saudade em todos nós. Esse era o nosso amigo Fritz.